Dor crónica, o que é?
A complexidade de percepcionar aquilo que é, efetivamente, está no facto de a realidade em que vivemos ser em si uma ilusão. A realidade pode ser definida como um conjunto de campos eletromagnéticos onde partículas “chocam” com outras partículas e se cria energia. Então, se a realidade é isto, porque é que o nosso cérebro a transforma em algo virtual? Porque é que vivemos numa ilusão que temos tanto a certeza que é real? Porque é que funcionamos desta maneira?
O ser humano é altamente complexo e especializado. Considerado um sistema aberto que se influencia pelo meio externo onde se insere e se rege pelas suas crenças e valores, pensamentos e ideias, é um sistema que tenta arranjar sentido e respostas para tudo aquilo que lhe acontece, para tudo aquilo que vivência. Esta procura constante e intensa por respostas pode, por vezes, ser muito limitante para a nossa vida. A dor crónica é um exemplo disto. Sempre que sentimos dor existe a necessidade de a associar a uma lesão, a um diagnóstico. Esta necessidade de criar uma causa-efeito é transversal a todos nós. Contudo, muitas vezes, não é aqui que encontramos a resposta até porque nada nos diz que a dor física só é real se resultar de uma lesão estrutural.
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É redutor focarmos-nos apenas no diagnóstico que nos foi atribuído aceitando que este não tem solução e não no porquê, de agora neste momento e nesta circunstância, estarmos a sentir aquela dor “teimosa” que não quer desaparecer. A dor é, para nós, benéfica, surge como resposta a uma situação considerada perigosa pelo nosso sistema nervoso. Este opta por utilizar a dor como uma chamada de atenção de como algo não está bem. Contudo, por vezes, sem haver lesão estrutural surge a dor persistente de carácter não protetivo, em que o cérebro produz dor para nos proteger, mas não existe lesão estrutural. Considerada dor num contexto da neuro-ciência, é produto dos nossos pensamentos, do nosso raciocínio, das nossas pessoas, da nossa cultura, das nossas experiências e por aí adiante.
Reflicto bastante sobre isto e cada vez mais acredito que está tudo na forma como valorizamos e percepcionamos as situações. Está tudo onde optamos por nos focar. A dor persistente faz com que a pessoa se desvie do seu foco: a dor passa a estar no centro de tudo, assume um papel primordial na vida da pessoa, privando-a de si própria e, consequentemente, daquilo que lhe é mais natural – o movimento. Enquanto o temos disponível não o valorizamos e assim que estamos na iminência de o perder, sentimos não ter, sequer, ferramentas para lidar com a situação. Surge então o sentimento de perda que é algo tão caótico e tão difícil de interpretar e aceitar pelo ser humano.
Por isso é que é tão difícil modificarmos o nosso comportamento sem que o nosso corpo tenha de nos comunicar que algo não está bem, sem que o sistema nervoso tenha de nos dar qualquer tipo de aviso. Penso que se calhar é aqui que falhamos, nós enquanto seres humanos e nós enquanto profissionais de saúde. A mudança comportamental deve existir muito antes de aparecer o problema, e o fisioterapeuta deve assumir-se como catalisador deste pensamento, deste processo. Deve ajudar a compreender que é mais importante e benéfico agir do que reagir.
Idealmente, o primeiro passo será a consciencialização de hábitos de vida saudáveis, seja através da adoção de uma alimentação equilibrada ou de uma vida quotidiana dinâmica e ativa. Contudo, qualquer mudança, comportamental e consequentemente neuro-fisiológica, apenas ocorre se existir uma disponibilidade e vontade intrínseca por parte da pessoa. O que nos traz de novo ao foco. Mas é difícil o ser humano focar-se, é difícil parar um momento para pensar, para refletir, para sentir. Sinto que é aqui que o fisioterapeuta pode, mais uma vez ser um facilitador ajudando a pessoa, a focar-se, a encontrar-se, a voltar a lembrar-se do que lhe dava prazer antes de ter aparecido aquela dor, do que ainda consegue fazer apesar de a sentir e não naquilo que não consegue porque ela esta permanentemente na sua vida.
Podemos assim encarar a dor como uma perceção que resulta de um estímulo real que experienciamos. O estímulo e por consequente a experiência que se cria é efetivamente real, contudo, a forma como cada um a perceciona é que difere de pessoa para pessoa. É neste sentido que o fisioterapeuta, assim como ajuda a treinar os músculos numa vertente de reabilitação, para devolver o movimento à pessoa, também pode ajudá-la através de diferentes técnicas, que colocam a pessoa no centro, a devolver-lhe o movimento através do treino da “mente”.
Artigo de Opinião escrito por: Fisioterapeuta Maria João Young
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